Pesquisa mostra que travestis têm menos escolaridade, são mais expulsas de casa e dependentes da prostituição
Apesar de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter reconhecido a homofobia e a transfobia como crimes de racismo, a população trans paulistana continua sendo vítima da violência física e verbal.
É o que mostra o resultado do primeiro mapeamento da população trans realizado na cidade de São Paulo e divulgado nesta sexta-feira (29 de janeiro), quando é celebrado o dia da visibilidade trans.
Dentre as 1.650 pessoas transgênero entrevistadas, 43% declararam já ter sido vítima de violência física devido à sua identidade de gênero. A frequência de violência física é ainda maior contra travestis (58%) e mulheres trans (45%).
Cerca de 80% das pessoas trans entrevistadas também relataram que são alvos fáceis de violência verbal, com insultos e xingamentos.
Ambos os tipos de violência —física e verbal— ocorrem principalmente nas ruas e nas escolas, dois ambientes fundamentais para o convívio social e o exercício da cidadania.
Segundo a pesquisa, a adolescência é vista como um momento crucial para as pessoas trans. É nesta fase da vida que a grande maioria adquire a percepção de que o seu sexo biológico não coincide com a sua identidade de gênero.
"Esse sentimento acarreta no afastamento precoce do ambiente familiar que, em grande parte, ocorre por volta dos 20 anos de idade. Em geral, este afastamento é acompanhado de brigas, rompimentos familiares e, até mesmo, de expulsão de casa", de acordo com trecho de relatório da pesquisa.
O mapeamento da população trans —iniciativa inédita no Brasil— está sob o guarda-chuva da secretaria de Direitos Humanos da gestão Bruno Covas (PSDB), e foi financiado a partir de emenda parlamentar do vereador Eduardo Suplicy (PT).
De janeiro a outubro de 2020, em plena pandemia de Covid-19, ao menos 30 pesquisadores, sendo a metade deles transgênero, percorreram ruas, avenidas, pontos com grande concentração de moradores de rua, centros de saúde e projetos que buscam inserir a população T (travestis, homens e mulheres trans) no mercado de trabalho.
Parte das entrevistas, compostas por 53 perguntas, também foram realizadas por telefone. O Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) foi o instituto contratado para elaborar o levantamento.
Além da violência, a pesquisa radiografou as condições sociais pelas quais estão submetidas essa população, como renda, escolaridade e empregabilidade.
A pesquisa mostrou que sete em cada dez pessoas entrevistadas são mulheres (trans e travestis) com idade até 35 anos. Quase 60% disseram ser pretas e pardas; metade das respondentes afirmaram ter escolaridade média.
Mas quando se destrincha os resultados, os indicadores sociais ligados às travestis são os que mais preocupam. Elas possuem o menor nível de escolaridade —29% disseram ter só o ensino médio contra 41% dos entrevistados não binários.
Apenas 7% das travestis concluíram um curso superior. Na cidade de São Paulo, cerca de 27% dos moradores têm ensino superior completo, segundo dados do IBGE de 2019.
O mapeamento também mostrou que as travestis são mais expulsas de casa (24%) e muito dependentes da prostituição, com 46% das entrevistadas nesta atividade. A prostituição é o meio de sobrevivência mais viável porque a maioria disse não ter uma formação técnica ou experiência para trabalhar numa área específica do mercado de trabalho.
Outras 34% das mulheres trans também sobrevivem da prostituição. "Essa situação está diretamente relacionada ao preconceito que a população trans enfrenta em diversas esferas da vida social, como na família, na escola, além das barreiras existentes no mercado de trabalho", analisa o relatório do levantamento.
No caso de homens trans e pessoas não binárias, os dados indicam que o trabalho sexual é menos frequente. Ambos conseguem mais empregos formais no comércio, em posições como atendente de loja, telemarketing e vendedor ambulante.
Quando se analisa a renda, as travestis também são as mais prejudicadas, com 72% delas fazendo bicos. Já metade (49%) dos homens trans que responderam a pesquisa têm emprego formal com carteira assinada.
Antes da pandemia, 62% das pessoas trans não eram beneficiárias de programas sociais. Após a crise sanitária, a situação se inverteu e metade das pessoas (50%) alcançadas pelo questionário recorreram a algum benefício, com destaque para o auxílio emergencial.
O levantamento conclui que é dever do Estado criar políticas públicas para diminuir o abismo social em que estão os trans. Entre as ações, estão a capacitação de servidores que lidam diretamente com essa população; a criação de bolsas de estudo e trabalho; a ampliação de representantes trans nos conselhos e nos órgãos públicos; e dotação orçamentária clara para o cumprimento das ações de inclusão.
O projeto paulistano baseia-se na experiência uruguaia. Em 2016, o país vizinho contou 853 pessoas trans no seu censo para pessoas T, das quais 90% eram mulheres e viviam da prostituição.
Na cidade de São Paulo, com 12,3 milhões de habitantes (população três vezes e meia maior do que a do Uruguai), a expectativa era localizar ao menos 3.000 pessoas transgênero.
Mas com uma diferença: em São Paulo foi realizado um levantamento e não um censo. O Uruguai já possuía um banco de dados prévio, que deu respaldo ao censo trans. Por aqui, só existem estimativas sobre esse público.
A maioria das estatísticas brasileiras referentes à população trans são fornecidas por entidades. Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos. Em 2020, 175 pessoas trans foram assassinadas.
A estimativa da Antra é que 1,9% dos brasileiros e das brasileiras sejam trans.
1,9% é a estimativa de participação de pessoas trans no total da população brasileira
210 milhões é o total de habitantes do Brasil
35 anos é a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil
76,6 anos é a expectativa de vida da população brasileira
175 casos de assassinatos contra trans foram registrados em 2020 no país
0,2% é a participação de estudantes trans nas universidades federais brasileiras
Fontes: Antra, Andifes e IBGE