O documentário “Limiar” cria campanha com materiais de sensibilização e engajamento em prol de uma educação sem transfobia
Os altos índices de violência contra a população trans são sintomas de uma sociedade machista, racista e LGBT+fóbica que também não dá oportunidades de emprego e faz pouco caso com o índice de evasão escolar dessas pessoas. Esses números impactam diretamente na qualidade de vida e saúde mental desse grupo e, pensando nessa realidade, a cineasta Coraci Ruiz decidi criar " Limiar ", um documentário autobiográfico que conta um pouco da história das conversas entre a diretora e Noah, um filho adolescente de 16 anos, que começa a questionar sua própria identidade de gênero.
Na trama gravada entre 2016 e 2019, há escuta e diálogos francos entre avó, mãe e filho. Além disso, a produção aborda temas como identidade, relações e padrões de comportamento. "Limiar" tem também uma camada narrativa que acompanha alguns momentos importantes da política brasileira. Enquanto Noah transiciona, o filme ecoa a macropolítica do país na história pessoal de Coraci.
Materiais de apoio e a educação em prol da temática trans
Em uma sociedade que nega a existência de pessoas trans e travestis, e que, por consequência, é violento e excludente, o filme alia sua realização com a criação de uma campanha de impacto que propõe estimular o diálogo respeitoso sobre transgeneridade entre responsáveis e seus filhos, além de sensibilizar educadores e educadoras e a comunidade escolar para tornar a escola um espaço mais seguro e acolhedor para jovens trans.
Para isso, foi criado a cartilha Direitos de Crianças e Adolescentes Trans na Escola ; guia de advocacy ; roteiros de discussão e, posteriormente, a websérie “ Chá com a Trava ”.
“Na estratégia de lançamento do filme, reconhecemos que o assunto discutido em tela poderia ser ainda mais difundido e ampliado por meio de uma estratégia de lançamento e de mobilização de públicos para exibições comunitárias do filme. Durante o desenvolvimento da campanha de impacto contamos com diversas instituições”, explica Rodrigo Díaz , 42, diretor, produtor de impacto de "Limiar" e coordenador do Núcleo de Projetos do Instituto Taturana Mobilização Social.
“A necessidade de trabalhar os direitos de pessoas trans no contexto escolar é a principal motivação para a realização da cartilha. O filme é um instrumento de sensibilização desse público escolar e um veículo para levar esse conteúdo para as escolas, focando especialmente nas educadoras e nos educadores”, adiciona Díaz.
“Tentamos em todos os materiais e comunicações do filme, usar a linguagem neutra e inclusiva. Na cartilha, no entanto, um grande desafio foi conseguir trazer as citações dos acordos e legislações nacionais e internacionais (que não utilizam essa linguagem neutra) e compor com os textos de comentários nossos que utilizam essa linguagem”, diz. “Essa diferença de linguagens acaba sendo interessante, pois nos permite também conduzir uma leitura crítica acerca de muitas definições que ainda não representam a atualidade das identidades trans e dos movimentos sociais organizados em torno dos direitos LGBTIA+”, enfatiza o produtor.
A organizadora do material, Uma Reis Sorrequia, foi uma das responsáveis por tecer essas conversas com a equipe de advogadas da TozziniFreire e o Instituto [SSEX BBOX], uma das instituições responsáveis, juntamente com o Instituto Taturana, Reprolatina e a [DIVERSITY BBOX] Consultoria.
A distribuição de impacto foi realizada ainda pela produtora do filme Laboratório Cisco, e teve o apoio da Embaixada do Reino dos Países Baixos e da Fundação CSN.
“Reconhecemos que esse processo de amadurecimento era fundamental para um resultado bom. Com isso, tivemos que investir mais tempo do que o planejado inicialmente, mas a avaliação é de que esse tempo foi muito bem investido, pois acreditamos que este material é muito bom e adequado para ser usados em contextos escolares", pontua.
Uma Reis Sorrequia é arte-educadora e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM-SP) e conta que o convite ocorreu por meio de uma das fundadoras da Taturana.
“Eu decidi aceitar o convite, entre outros motivos, pois a equipe da campanha era composta exclusivamente por pessoas trans e travestis. E, como educadora, eu acredito fortemente e aposto muito na divulgação científica como um pilar da extensão universitária e ferramenta para o rompimento dos muros que separam a produção do conhecimento científico no diálogo com a sociedade”, explica Uma.
Na produção dos materiais ela diz que o maior desafio não era o conteúdo, mas a forma, pois precisou pensar como comunicar todo esse arsenal que tinha de uma forma simples, fácil e acessível de ser retrabalhado por quem não tem esse conhecimento prévio.
“O cinema pode e é uma arma poderosíssima na disseminação do conhecimento, e o 'Limiar', ao retratar a adolescência de uma pessoa trans no seu processo de visibilização social e corporificação, me pareceu muito potente pensar como comunicar o que eu vinha teorizando na academia, por meio dos materiais de apoio”, defende.
Além disso, os roteiros de discussão estão pensados por assunto, tema ou grupo social, e foram elaborados coletivamente por Uma, Reprolatina, Instituto Ssex Bbox e Diversity Bbox Consultoria. “Por meio de grupos focais, escutas e diálogos com responsáveis e familiares, educadories, pessoas não-bináries e psicólogues construímos esse roteiro. Já o guia de advocacy e a cartilha foram propostas, inicialmente, da TozziniFreire Advogados”, recorda a jovem.
Para ela, a defesa da desinformação e do desconhecimento sobre corpo, gênero e sexualidade na educação é um mecanismo de silenciamento desses e outros casos de violência.
“O debate sobre educação sexual integral deve ser parte transversal do currículo das escolas brasileiras, públicas e privadas, tendo em vista os números alarmantes de violências como estupro e assédio perpetuadas no seio das famílias”, comenta a pesquisadora.
A websérie “Chá com a Trava”, também foi feita como um material de apoio, mas divulgada posteriormente. A produção conta com 15 episódios de duração média de dois minutos e aborda também assuntos relacionados a transgeneridade, mas de maneira didática e com um teor mais infantil para suscitar discussões e permitir o conhecimento desses temas desde a infância.
Como organizar uma sessão e ter acesso aos materiais
O filme está disponível gratuitamente para sessões coletivas e autogestionadas, organizadas por escolas, universidades, grupos, coletivos, organizações sociais, ou mesmo por famílias. “É importante que após a sessão seja promovida uma roda de conversa ou outra atividade que discuta o filme e o tema”, diz Rodrigo.
As sessões devem ser agendadas pela plataforma da Taturana e podem ser realizadas presencialmente ou on-line. Já os materiais de apoio produzidos pela campanha de impacto do filme estão disponíveis no site oficial do filme Limiar .