Laboratório norte-americano Moderna tem ensaio clínico na fase um sobre a vacina e Brasil participa do Projeto Mosaic
Após 40 anos dos primeiros casos de HIV serem descobertos, a ciência se aproxima cada vez mais de uma possível cura do vírus, mas até o momento ainda não há nenhuma medicação específica que consiga eliminá-lo totalmente do corpo de uma pessoa infectada. Quem garante isso é a infectologista Laís Seriacopi, que faz atendimento do uso de Profilaxia Pós-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pré-Exposição (PEP) no ambulatório do Hospital Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo. Para quem desconhece as medicações, elas são usadas para a prevenção à exposição ao HIV.
A PEP é utilizada quando um indivíduo tem exposição direta ao vírus e é efetiva quando iniciada em até 72 horas pós-exposição, com efetividade maior nas primeiras 24 horas. Já a PrEP é a medicação de prevenção antes de uma exposição consciente ao vírus, como por profissionais de sexo, pessoas que irão ter relações sexuais casuais ou participar de festas de sexo, por exemplo.
Por mais que ainda não exista uma medicação voltada para a cura, a ciência já se organiza para uma possível vacina que tenha essa finalidade. A infectologista explica que há um ensaio clínico, em específico, acontecendo no momento nos Estados Unidos.
“A vacina está começando a ser testada agora. A Moderna [laboratório farmacêutico norte-americano] anunciou em janeiro deste ano um ensaio clínico na fase um com a aplicação de uma vacina teste em pacientes humanos”, diz.
Em nota oficial divulgada na época, o laboratório afirmou que os testes serão aplicados em três grupos diferentes. O primeiro totaliza 48 participantes sadios e negativos para o HIV, que receberão uma ou duas doses da vacina mRNA-1244. Destes, 32 receberão uma dose extra com uma versão reforçada da fórmula, a mRNA-1644v2-Core e, por fim, outros oito voluntários receberão apenas essa variação mais reforçada. No total, serão 56 participantes.
“No passado esse imunizante já foi testado em camundongos e parece que teve alguma resposta positiva - tanto que agora está sendo testado em humanos. Essa vacina utiliza a tecnologia do RNA mensageiro, a mesma que a Moderna utilizou no imunizante contra a Covid-19 e que foi muito bem sucedida. Estamos todos muito empolgados com esse ensaio”, comemora a infectologista, que reforça que os estudos sobre a vacina são iniciais e que não existe nenhum outro tipo de medicação que realize a cura do HIV.
“Não existe nenhum remédio, nenhum tratamento ou qualquer outro esforço que ofereça cura, no momento. Há alguns estudos e experimentos que mostram pacientes que vivem com HIV e que estão mantendo carga viral indetectável - o que impede a transmissão do vírus -, mas isso não representa a cura ainda”, afirma.
Terapias alternativas
A especialista ainda alerta para o perigo de adotar terapias alternativas em busca da cura do vírus.
“O chá de mutamba - uma das terapias alternativas muito usadas - tem muitos efeitos colaterais. Ela é uma planta medicinal que tem princípio do relaxamento, as pessoas usam para combater insônia, ansiedade e estresse, mas de maneira nenhuma deve ser ingerida com a finalidade de curar o HIV”, enfatiza a especialista, que também comenta sobre a ozonioterapia.
“A ozonioterapia, por exemplo, é outra terapia que não é indicada para pessoas que vivem com HIV. Não temos uma evidência robusta da eficácia dela no controle do vírus, além de que ela pode causar irritação na pele, hematomas, dor no local da injeção, entre outras reações”, afirma.
Outra terapia alternativa que ganhou evidências nos últimos anos e que não é recomendada pela infectologista é o crudivorismo.
“O crudivorismo - dieta baseada em uma alimentação 100% crua - é outra alternativa que não tem nenhuma comprovação científica de efeito positivo no combate ao HIV. Um risco que essas terapias trazem para pessoas que vivem com o vírus é a baixa da imunidade, o que pode trazer problemas para o avanço do tratamento”, finaliza.
Projeto Mosaico
Enquanto nos Estados Unidos ocorre o ensaio clínico da Moderna, por aqui no Brasil também vemos esforços em busca da tão sonhada vacina para o HIV. O Projeto Mosaico é um estudo que ocorre em oito países das Américas e Europa, com uma média de 3.800 participantes distribuídos entre Brasil, Itália, México, Peru, Polônia, Espanha e Estados Unidos.
Só no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 920 mil brasileiros vivem com HIV. Deste total, 89% foram diagnosticados, 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% dos que fazem o tratamento já não transmitem o HIV, por apresentarem a carga viral indetectável. Em terras brasileiras, o Hospital Emílio Ribas é o responsável por coordenar o Projeto Mosaico. O infectologista Bernardo Porto, que faz parte do grupo de pesquisa, explica que o Projeto Mosaico tem o intuito de desenvolver uma “potencial vacina na prevenção da trasmissão sexual do HIV tipo 1”.
“O estudo traz como ineditismo uma tecnologia, que, a partir de uma plataforma de vetor viral, é capaz de estimular a produção de uma resposta imune de defesa contra mais de 90% dos subtipos e formas recombinantes do HIV”, explica o infectologista.
Porto ainda conta que, para gerar essas respostas imunes a mais de 90% da variabilidade do vírus, as pesquisas utilizam um “mosaico de genes destes diversos subtipos e formas recombinantes do HIV tipo 1”.
“Este mosaico é acoplado ao adenovírus 26 - um vetor viral -, que funcionará como um 'cavalo de tróia', carregando as estruturas genéticas do HIV, permitindo seu reconhecimento pelo sistema imune e a organização de uma resposta de defesa, sem o risco de infecção e adoecimento pelo vírus”, diz.
O infectologista afirma que até hoje um dos maiores desafios na busca por uma vacina eficaz contra a infecção pelo HIV é “justamente contemplar esta imensa variabilidade genética”. Com a tecnologia empregada, o estudo Mosaico visa alcançar este objetivo. No momento, o projeto se encontra na fase 3, onde os participantes selecionados estão divididos em dois grupos: placebo e vacina.
“Tanto os voluntários quanto os pesquisadores envolvidos no estudo são cegos quanto à alocação dos participantes entre os dois grupos. Há uma rotina de pelo menos 14 visitas presenciais aos centros de pesquisas, onde são realizados atendimentos multiprofissionais em saúde, coleta de exames, aconselhamento e as aplicações das quatro doses previstas no estudo”, detalha.
“Após a conclusão das visitas de aplicação de dose, o acompanhamento destes voluntários continua por pelo menos mais um ano após a última aplicação no estudo, com consultas e exames agendados conforme protocolo do estudo”, finaliza.