“Linguagem neutra não quer dividir ninguém”, diz cocriador no Brasil
Em fala recente, Ciro Gomes disse que pautas identitárias divide a população, todavia Pri Bertucci defende que a linguagem almeja o oposto de uma divisão
O candidato à presidência Ciro Gomes (PDT) afirmou no programa “Pânico”, da Jovem Pan, na segunda-feira (05 de setembro), que pautas identitárias são "baboseiras da esquerda". Segundo o ex-governador do Ceará, a linguagem neutra, utilizada para representar as pessoas que se identificam como não binárias , "só nos divide".
A linguagem neutra não é nenhuma novidade. No latim, a palavra “illud” dizia respeito ao gênero neutro e estaria em um lugar além do “ela” e “ele”. Entretanto, esse pronome foi perdido ao longo dos anos e das adaptações da língua, por diversos motivos, mas o principal foi a colonização.
Assim como a linguagem neutra, a não binariedade também não é uma novidade, mas foram apagados com os processos da invasão europeia em sociedades originárias e que fugiam do binarismo de gênero, como os Mahu, na Polinésia e os Two-Spirits (Dois Espíritos) na América do Norte.
“A linguagem neutra não visa nos dividir de ninguém, muito pelo contrário. Ela surge com a objetivo de tornar a comunicação inclusiva para todas as pessoas, ou seja incluir todo mundo, mulheres, homens e pessoas trans sejam elas binárias ou não binárias. Então não é sobre separar ou colocar um grupo contra o outro. A fala do Ciro Gomes mostra que as pessoa ainda precisam entender melhor sobre a questão da não binariedade, pronomes e comunicação inclusiva”, explica Pri Bertucci, fundador do instituto [SSEX BBOX], responsável pela 1ª Marcha do Orgulho Trans no Brasil, e CEO da [DIVERISTY BBOX] consultoria que presta serviços para empresas que querem tornar seus ambientes de trabalho mais inclusivos e, mais recentemente, lançou o “Dossiê de Linguagem Neutra e Inclusiva”, que explicita e objetiva educar acerca da linguagem neutra e inclusiva no Brasil.
O que é a linguagem neutra e inclusiva?
Nos últimos anos, ativismo e militância LGBTQIA+ tem avançado cada vez mais no âmbito dos direitos civis. Dentre diversas outras reivindicações, a linguagem neutra e inclusiva tem sido objeto de discussão nas redes sociais, já que muitas pessoas não entendem seu funcionamento ou sua importância em termos de inclusão.
“A não binariedade sempre existiu. Mas agora ela está emergindo socialmente porque as pessoas estão se questionando acerca desses processos que coloniza os corpos e suas possibilidades”, adiciona Bertucci.
A linguagem neutra e inclusiva são maneiras de se referir às pessoas que não se identificam com os gêneros binários homem e mulher. Essas pessoas podem se identificar como não binárias ou que fazem parte deste guarda-chuva, como pessoas agêneras, gênero neutro ou gender queer. O grande problema é que, por se tratar de uma modernização da língua, muitas pessoas ficam em dúvida de como usar esta linguagem e questionam sua importância.
“A linguagem inclusiva e neutra são coisas diferentes, é muito comum pensarem que são a mesma coisa. Ambas são válidas, mas precisam ser entendidas. Enquanto a linguagem inclusiva visa construir frases que não evidencie gêneros, a neutra surge para mostrar que existe também o gênero neutro. Além disso, a linguagem inclusiva e neutra faz parte do guarda-chuva da comunicação inclusiva, que busca também eliminar termos racistas, transfóbicos, machistas e entre outros nas formulações dos textos”, argumenta o fundador.
“É por meio da linguagem que também podemos mudar nosso jeito de pensar, agir e, consequentemente, toda a sociedade. A língua portuguesa é viva e está em constante mudança”, defende o pesquisador, que enxerga na comunicação inclusiva um instrumento de transformação social para além da binariedade e polarização social que enfrentamos nesse momento da história. “A linguagem neutra e inclusiva não é apenas uma neo linguagem e sim uma recuperação de linguagem”.
Linguagem neutra ou não binária: modos de usar
Um dos conceitos da linguagem neutra é o de substituir as letras “a” e “o” em adjetivos para tornar essas palavras ainda mais neutras. Desta forma, usar o “e” ou o “u” é a maneira correta, pois é acessível aos deficientes visuais.
O uso de “x” e “@” no lugar de “a” ou “o” não funciona na linguagem oral e esses símbolos tornam complicada a leitura, a fala e a escuta das palavras.
No caso dos pronomes, há dois sistemas usados no Brasil. O “ILE/DILE” e o “ELU/DELU”. Todavia, o sistema “ILE” é o ideal na linguagem neutra para se referir às pessoas que não se identificam como homem (ele) ou mulher (ela), pois há mais estudo sobre. Isso porque Pri Bertucci é cocriadore da linguagem neutra em português e consolida a pesquisa sobre o assunto há mais de uma década.
“O sistema ‘ILE/DILE’ é diferente do 'ELU/DELU’. As pessoas precisam entender que há sistemas e que, embora ambos sejam neutros, é bom que se tenha um melhor entendimento, porque acaba corroborando para que a não binariedade seja invalidada enquanto identidade de gênero legitima, se até a nossa própria comunicação não é um consenso”, conclui Bertucci.
O instituto [SSEX BBOX] oferece diversos materiais que visa explicar temas relacionados a gênero e sexualidade, linguagem e sociedade.