Ele recriou anúncios de cueca com corpo real e virou modelo da Calvin Klein
O paulistano Ricardo Sfeir,nunca se sentiu bem representado pelos anúncios publicitários de roupa íntima masculina, que sempre elegeram apenas homens de corpo padrão como estrelas de suas campanhas.
Fã da Calvin Klein, ele comemorou bastante quando viu Jari Jones - modelo negra, trans e plus size - estampando um outdoor enorme da marca em Nova York. Foi aí que teve uma ideia: já que os corpos masculinos gordos ainda não estavam sendo valorizados pelas marcas de cueca, ele decidiu recriar campanhas famosas da própria Calvin Klein, que traziam fotos de nomes Freddie Ljungberg, Justin Bieber e Shawn Mendes, onde ele fosse a estrela, chamando atenção para a falta de diversidade na publicidade.
Suas fotos fizeram barulho nas redes sociais e, graças aos comentários marcando o perfil da Calvin Klein Brasil, chegaram até a marca. Apenas três dias após a publicação do primeiro post de Ricardo em seu Instagram, a CK comentou em uma das suas fotos. Em seguida, ele e os representantes da marca começaram a conversar por mensagem direta, dentro da própria rede social, e mais tarde, veio o convite: Ricardo como protagonista de uma sessão de fotos para a Calvin Klein.
"Eu sempre fui fã da marca e fiquei emocionado de verdade quando vi a campanha com a Jari. Quando comecei a reproduzir as fotos dos modelos homens, não tive a intenção de criticar a Calvin Klein. Pelo contrário: eu acho que ela é uma referência e passei a valorizá-la ainda mais quando vi as fotos da Jari. Se ainda não tem espaço para o corpo gordo masculino, que bom que eles abriram para o feminino. Pra mim, já é uma vitória", contou Ricardo . O engenheiro ainda revelou que, assim que postou sua primeira foto "copiando" as campanhas da Calvin Klein, seu medo não foi em relação a possíveis críticas que receberia, e sim se poderia ser processado pela marca pela reprodução das imagens. "Até chequei com uma amiga advogada se era OK fazer isso", confessa.
Os posts de Ricardo geraram repercussão de forma bem rápida, o que o deixou impressionado. Ele explica que a ideia inicial não era "militar", e sim fazer algo que o fizesse se sentir bem consigo mesmo. Mas, como é comum no ambiente das redes sociais, ele recebeu, além dos elogios, uma série de críticas e comentários maldosos: "Até pensei em responder, mas apaguei tudo. Foquei nas coisas boas, em quem me disse que eu era uma inspiração. Peguei todos os comentários negativos como um incentivo para fazer as fotos da Calvin Klein. Se fossem criticar, eu estaria pronto para isso".
Mas o processo não foi fácil. Assim que se deu conta que teria suas fotos de cueca postadas nas redes sociais da Calvin Klein no Brasil, o receio veio. "Quando eu posto uma foto sem camisa no meu Instagram, é mais tranquilo. Já conheço meus seguidores e eles também me conhecem. Mas aí seria diferente, eu estaria exposto para um número muito maior de pessoas. Gente que não me conhece. Comecei a ficar nervoso e senti um misto de felicidade, porque era uma oportunidade única na minha vida, e insegurança, porque não sabia qual seria o resultado", afirma Ricado.
Sua estratégia então foi minimizar todo tipo de estresse que pudesse aparecer. Ele explica: "Liguei para o fotógrafo antes, para me apresentar e bater um papo. Criei uma playlist repleta de músicas sexy, como The Weekend, para me sentir mais à vontade na hora das fotos. Peguei referências na internet e ajudei a buscar uma locação. Decidiram que a sessão seria no Copan e eu dormi lá na véspera, para não acordar preocupado na manhã do ensaio. Por fim, pensei em tudo que me deixava inseguro e botei numa caixinha para jogar fora. Eram coisas que não me pertenciam mais". A ideia deu certo. Na hora que a equipe chegou, Ricardo já estava à vontade e seguro, e curtiu a sessão do começo ao fim.
Se hoje Ricardo é bem resolvido e aceita seu corpo do jeito que ele é, ele garante que nem sempre foi assim: "Aos 15 anos, parei de usar sunga e de andar sem camisa. Tinha muito problema com como eu apresentava meu corpo para o mundo e como eu me sentia dentro dele". A história só começou a tomar outro rumo em julho de 2019, quando ele viajou para Grécia ao lado da melhor amiga, do irmão e da cunhada. "Na hora de arrumar as malas, resolvi colocar duas sungas lá dentro. Afinal eu iria para a Grécia, um lugar onde ninguém sabe quem eu sou e nem sequer que língua eu falo. Chegando lá, vesti a sunga e fui tomar sol. Conforme fomos brincando e tratando a questão com leveza, fui me soltando e testando meus limites, fazendo coisas que não fazia antes", conta.
O processo de se amar continua até hoje, com altos e baixos pelo caminho: "É uma coisa eterna. O que eu queria mesmo era chegar nesse nível de satisfação e felicidade que faz com que eu consiga ter prazer de viver a vida, fazendo coisas como ir à praia e usar sunga, ou tirar fotos de cueca e me sentir à vontade para postá-las. Isso tudo já significa muito para mim. Mas falar que eu não tenho mais nenhum tipo de insegurança seria exagero".
Por fim, Ricardo reflete: "Apesar de ser um processo difícil, eu reconheço que o trabalho de aceitação do próprio corpo para os homens é muito mais fácil. É menos criticado. Eu não vejo tanto homens conversando entre si e assumindo que têm problemas de autoimagem. Se importar com o corpo ainda é visto como sinal de fraqueza pra nós. Mas a gente tem que falar. Tem que normalizar!".