Vice-diretora celebra ser 1ª trans da faculdade mais antiga do país

Antonella Galindo é graduada, mestre e doutora em direito, além de ser professora na Faculdade de Direito do Recife, que tem 195 anos
Na foto, a professora Antonella Galindo toma posse como vice-diretora da Faculdade de Direito do Recife - Foto : Reprodução | Arquivos Pessoais

Por trás dos portões centenários da Faculdade de Direito do Recife (FDR), no Centro da cidade, sopram ares de vanguarda. Pela primeira vez em 195 anos, a instituição, que teve alunos ilustres como Joaquim Nabuco, Miguel Arraes e Marco Maciel, conta com uma mulher trans na vice-diretora. Antonella Galindo assumiu publicamente a identidade de gênero há pouco tempo, mas já faz história.

Formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e com um currículo que inclui mestrado e doutorado, Antonella também é a primeira professora trans da Faculdade de Direito do Recife, ligada à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Eleita em 13 de fevereiro deste ano, na chapa com o diretor Torquato Castro, ela ressalta o momento “inédito e histórico” e destaca o simbolismo dessa escolha.

A eleição da chapa formada por Torquato e Antonella venceu a eleição, realizada no dia 13 de fevereiro, entre professores, servidores e alunos. No resultado final, recebeu 57,4% do votos.

No processo, como determina o regimento da universidade, cada categoria tem peso diferente. Uma média ponderada é feita com o resultado, por categoria, até chegar ao resultado final. Os votos dos professores valem mais do que os dos alunos e servidores.

No quadro de avisos da faculdade, está afixado um papel com o resultado final das eleições. A chapa Torquato/Antonella venceu por um voto de diferença entre os professores, teve o dobro de votos entre os estudantes e quase quatro vezes mais entre os servidores.

Diante do resultado, Antonella faz planos para quando tomar posse oficialmente, no mês de abril. Ela será diretora assistente de Torquato até o ano de 2027.

Até lá, pretende fazer “uma universidade inclusiva”, com possibilidade de reforçar o diálogo com a sociedade e um “olhar atento” aos mais vulneráveis e para as minorias.

Na pauta mais ampla, que vai além dos muros da faculdade, Antonella diz que é preciso enfrentar a realidade para inserir as mulheres trans no mercado de trabalho.

As mulheres trans têm um histórico de resiliência, até por sua condição. São criativas e pensam fora da caixa. Queremos mostrar que elas podem exercer qualquer profissão, desde que tenham condições”, afirmou.

Outa batalha, segundo a vice-diretora eleita da faculdade, é contra a opressão e a exclusão. “Precisamos combater o discurso de ódio e a discriminação. Devemos parar de normalizar a violência contra as pessoas”, disse.

Antonella Galindo começou a carreira jurídica no fim dos anos 90, ao sem formar da Unicap. Passou em concursos e atuou como professora nas universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Paraíba (UFPB).

Nesse período, ainda não tinha assumido a atual condição de gênero. Estudou, trabalhou e lecionou com o antigo nome masculino. Casou com uma mulher e teve filhos.

A doutora conta que, desde criança, teve uma vida de ‘classe média”. Estudou numa escola particular no Recife, onde mora toda a família.

Diz que passou por várias etapas, da infância até a vida adulta “sem saber bem o que era”, mas com a certeza "de que tinha algo diferente dos outros".

"Sempre tive um deslumbramento com o universo feminino e uma incompreensão com o universo masculino. Nos anos 1980, o fenômeno Roberta Close me fascinou”, declarou.

A professora fez referência à atriz e modelo que se tornou a primeira expoente no mundo da arte na condição de trans.

Na época, conta Antonella, a sociedade “era outra”, "bem diferente”. Também havia um componente religioso, que colocava a tarja de “pecado” em tudo o que não era convencional. “Ia para o cabeleireiro com meu pai e pegava revistas. Quando tinha algo com Roberta Close, fingia que estava vendo outra coisa e ficava tentando saber o que estavam falando dela”, lembrou.

"Desde criança, Antonella conta que sabia que o caminho profissional seria na área de Humanas. "Gostava muito de ler. Adorava Machado de Assis. Me formei, fiz mestrado e doutorado antes dos 30 anos”, ressaltou.

Sobre o início da mudança, a professora diz que teve um componente: “a crise dos 40 anos”.

Pressentindo que tinha algo diferente, ela afirmou que procurou uma amiga, que era psicóloga. Essa profissional indicou uma colega, com quem começou a discutir os assuntos mais íntimos.

Não me sentia um homem gay. Não era uma questão de ser hétero ou não. Era existencial”, declarou.

Até que veio a pandemia e as coisas mudaram para toda a sociedade. Nesse processo, Antonella começou a entender a necessidade da mudança de condição de gênero.

Antes de assumir a minha condição de mulher trans, ia a alguns lugares, fora do estado, com roupas femininas e de peruca loira. Até que, no ano passado, assumi a minha condição’, acrescentou.

Na faculdade, a doutora disse que encontrou acolhimento e receptividade. Afirmou que conta com um ambiente em que “se discute todos os assuntos” e onde já existem profissionais trans.

Sobre a relação entre a militância na política interna da faculdade e a transição, Antonella disse que foi uma “questão natural”.

Já tinha sido coordenadora de graduação e subchefe de departamento. Quando Torquato me chamou para fazer parte da chapa, disse que o que interessava era o meu currículo e minha competência. A minha condição era um plus, algo a mais”, afirmou.